janeiro 26, 2018

Macabea

Por Elisabeth Santos
A Hora da Estrela, 1985

Personagem literária de nome incomum, Macabea real, de carne e osso, não se conformando com o nome lhe dado e registrado em cartório pelos pais, escolheu ser chamada Bebéa. Cresceu forte e sortuda. Parecia ter o toque de Midas: em todas as escolhas feitas teve sucesso. Estudo, trabalho, amizades e casamento. Até onde era do conhecimento das pessoas ao seu entorno. O que se passava no íntimo só ela sabia. Tinha lá suas inquietações, receios, medos e até pavores.

Sempre que estava a um passo de uma grande decisão, nem avaliava os prós e os contras, simplesmente se atirava no que achava ser melhor e acertava em cheio. Seguia uma intuição, quase sexto sentido ou nenhum dos dois. Quero dizer que mesmo não escolhendo com suas próprias mãos, como se dizia por ali, a decisão melhor aparecia às suas vistas, resolvida, irrecusável, e dava certo! Surpreendendo a própria Macabea, muitas das vezes.

Como os problemas iam surgindo e desaparecendo; as dúvidas se dissipando quase sozinhas; algum entrave sendo transponível sem grande esforço... Só sobrou de aflitivo para Macabea o seu próprio medo. Quase “medo da própria sombra” já que olhando para trás... se arrepiava! Era como sentir-se acompanhada o tempo todo.

Conversando com a tia avó, bem idosa, criada na roça quis saber o que era aquilo. Ouviu então o seguinte: - A vida tem seu curso natural que não deve ter interferências. Minha avó materna era parteira e me contava uns causos. Dizia que numa centena de nenéns que ajudou vir ao mundo a maioria ela sabia de antemão se seria ou não feliz. Aquilo de crer que
quem pisa em retalhos de tecido de uma mortalha, quando criança, não vai viver muito é pura invenção de adulto para fazer a criança varrer o chão. E aquela outra história que levando o defunto para a cova, se alguém cair e machucar seu ferimento não vai sarar nunca, tem a mera finalidade de fazer os carregadores do varal com a mortalha irem com cuidado.

E a tia avó da Macabea contando mais meia dúzia de crenças e superstições que foram criadas para atemorizar os mais jovens terminou assim:

_ A sina vem com a pessoa ao nascer. É praticamente visível a quem tem o dom. Nada tema Macabea. O que tiver de ser será!

Não satisfeita, Macabea procurou uma benzedeira que a livrasse daquele pavor que às vezes sentia por nada.

A benzedeira arrancou uma porção de ramos de hortelã que abundavam bem à porta de sua casinha simples, lavou-os na cascatinha formada pelo córrego no desnível do terreiro, e ali mesmo rezava e aspergia gotículas daquela ramada na Macabea. A reza era audível, mas não entendível. Isso, para a moça que foi buscar ajuda espiritual, não tenha a menor importância contanto que a benzedura desse certo.

Terminado o ritual, Dona Benta Benzedeira, ainda de olhos fechados passou o veredicto:

_ É macacoa!

Nunca mais Macabea sofreu com sentimentos de insegurança ou incerteza. Resolveu não dar confiança para coisas inexplicáveis, e simplesmente ser feliz com todas as graças recebidas!





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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".  

janeiro 22, 2018

Posso levar comida para os Estados Unidos? Novidades...

O primeiro post da série foi em 2015, ele está aqui. Depois fiz outro post sobre o assunto em 2016, também aqui. Complementei com o texto do ano passado que está aqui. Encerrado mais um ano e depois muitas perguntas devidamente respondidas vou deixar aqui uma revisão, pois muita coisa mudou desde os outros escritos deste blog.

Voltando para casa agora em janeiro (de 2018 se você está chegando atrasado por aqui) eu novamente me deparei com aquela situação onde eles avisam sobre as malas. "Elas serão desembarcadas, sem exceção, na primeira cidade que você desce nos Estados Unidos", avisa o atendente. "Mesmo que você vá pegar uma conexão, deverá reembarcar sua mala na devida companhia aérea." Dessa vez entretanto, o comissário acrescentou com seu reconhecível carioquês que era para comermos o lanche final porque "não será permitida a entrada de carne ou frutas" no país.

SIM, as coisas mudaram um bocado desde o ano passado mesmo para voos internos.

Nada de frutas, nadinha! Nada de carne, nadinha!

Pitaya rosa colhida da horta do papai.

Outras coisas, com as devidas observações já feitas em textos anteriores que você lê aqui e aqui, podem entrar nos Estados Unidos sem maiores problemas. O ideal no entanto é que você leve somente coisas industrializadas, bem embaladas e que não contenham nenhum ingrediente proibido. E o ideal mesmo, de verdade, é que você não se aventure a levar comidas, mas nem todos podem se dar ao luxo. Entendo...

Eu poderia ficar horas aqui divagando sobre os motivos de não aceitarem a entrada de frutas e carnes, mas o fato é simples. Está proibido e ponto final.

Então, sendo assim, veja bem, leve de presente outras coisas que o nosso querido (mas atrapalhado) país produz. Artesanato é uma boa opção, coisas feitas à mão são raras e bem caras por aqui. Se tiverem uma história de sustentabilidade, melhor ainda! Explica a história de como o produto ajuda as mulheres da periferia da cidade com cara de drama e tudo vai ficar bem. Menos stress na hora de desembarcar, menos risco de ser reconhecido pelo sniff dog, não precisa parar no raio-x. Tudo de bom!

Agora, digamos que você está mesmo interessado em mostrar ao colega americano o "sabor" do Brasil. O que fazer? Seguem algumas opções de quem mora numa região com pouquíssimos brasileiros, mas ainda assim consegue comprar coisas do país.

Aprenda o nome em inglês das frutas e tente comprar em mercados mexicanos, asiáticos e afins. Por aqui existe pitaya (dragon fruit), lichia (lychee), manga (mango), coco seco (coconut), goiaba (guava), mamão (papaia), limão verde (lime), coco verde (young coconut), açaí (açaí berry - polpa congelada), tamarindo (chama tamarindo mesmo), etc. Para frutas mais específicas, continue lendo.

Sabe aquela tradicional coxinha de bar que tem o palitinho de dentes?
Hummmm delícia!

Corra atrás dos alimentos e ingredientes que você quer apresentar aos nativos, compre tudo no mercado local e prepare o prato especial para ele. O exemplo clássico de sucesso é a "caipirinha", faça com vodka (muitos não gostam da pinga), mas também já vi gente fazer feijoada, coxinha, doce de leite de colher, entre outros quitutes. Eu mesma fiz muito brigadeiro, açaí na tigela e pão de queijo para o pessoal provar.

Para você ter uma ideia dos ingredientes que podem ser encontrados por aqui... Na prateleira das comidas mexicanas do Walmart tem leite condensado (condensed milk), nos mercados asiáticos tem jaca (jackfruit), mandioca (yuca), cará (taro), chuchu (chayote). Mel brasileiro tem no Whole Foods, juntamente com couve (kale ou collards), pão de queijo (sim ele mesmo! Brasibites é uma das marcas, mas existem outras), mandioca crua já vi por lá também. Água de coco tem para todo lugar, então eles provaram em alguma da época que estava no auge da moda. Entretanto, a que encontramos por aqui é ruim (parece água salobra) e você não poderá fazer nada para mudar isso.

Outras delícias da nossa delicatessen são: paçoquinha (pacoquita quando o americano pronuncia bunitinhu) encontrada nos mercadinhos brasileiros, ou online e bombom garoto da caixa amarela. Vou  logo alertando para o fato dos americanos não terem a mínima ligação amorosa com a cor da caixa, ou com a variedade de sabores que ela contém. Isso é coisa de brasileiro, americano prefere o chocolate puro mesmo.

Pé de moleque, pelo menos no sul do país existe algo parecido que são os Pralines. Pamonha (tamales) eu encontrei no mercado mexicano juntamente com um corte de carne conhecido por picanha! *____* ela mesma!

Olha só para você ver (como se diz no interior de Minas), depois de comer um excelente arroz doce aqui em Detroit, eu tive certeza de que tudo é possível no mundo de-meu-Deus.

Um dos doces da minha infância.
Minha mãe achava super fácil de fazer.
Esse aqui estava simplesmente divino!

Acho que cabe aqui mais uma advertência... Mesmo que você prepare igualzinho, com todo o amor e carinho, é bom estar preparado para essa verdade intergaláctica. Nem todo mundo gosta da nossa comida típica, viu? Aliás, alguns vão detestar! Respire fundo e lembre-se de que eles não têm afinidade emotiva com as nossas texturas, cores ou sabores.

Parênteses aqui para uns causos minero, sô.

(1. A vez eu levei doce de banana para a Alemanha foi um fiasco - da parte delas é claro! As colegas olhavam o docinho e me perguntavam, "mas se a banana é amarela, por que o doce é preto? Que tipo de corante usaram aqui?" Com cara de nojinho, algumas jogaram fora quando eu não estava olhando. Que pecado, minha gente.)

(2. Outra vez, em um jantar da firma, fizeram de tudo para umas americanas provarem palmito porque é simplesmente uma delícia, não é mesmo? Elas acham a comida mais sem graça e sem sentido do mundo! kkkk)

(4. Bombom Sonho de Valsa também não alegrou o pessoal do meu trabalho, pois largaram tudo mesa na cozinha do escritório. Bom pra mim!)

Para que estava esperando até o final do post para uma resposta mágica sobre as frutas típicas que até mesmo dentro do Brasil somente são vistas em áreas super específicas eu recomendo você convencer seu amigo a ir encontrá-las no contexto de vida delas. Não entendeu? Fala para ele ir te visitar no Brasil, colega. Mantenha o mistério! Pois, nada, nunca, mesmo, vai substituir o gosto de uma jabuticaba colhida no tronco de uma árvore lá do Sul de Minas no alto da estação!

Um abraço, se cuida e boa viagem!


Seguem os textos mais antigos sobre o assunto com links interessantes.

Levando comida na bagagem para os Estados Unidos, atualização.



janeiro 19, 2018

Pecado Capital

Por Elisabeth Santos

Hieronymus Bosch,
Os sete pecados capitais e as quatro últimas coisas. 1500

O pior pecado capital deve ser aquele com o qual convivemos, ou o que está mais próximo de nós. Analisemos um a um dos sete:

- A Gula é o desejo insaciável por comida e bebida. Depois da Psicologia a Gula ganhou outros nomes então nós achamos que sendo Compulsão, é problema de saúde.

- A Avareza explica-se pelo apego excessivo por bens materiais. Para os pobrezinhos que vivam próximo dos ricos avarentos é o mais feio pecado da lista dos Capitais.

- A Luxúria de quem se deixa dominar pelas paixões só incomoda quem a tem.

- A Ira, no século XXI, transformou-se em “irado” palavra inofensiva do vocabulário adolescente. Raiva, ódio ou rancor, sinônimos daquele antigo Pecado Capital denominado Ira, nem sabemos mais o que é. Podemos odiar as políticas de descaso com o meio ambiente, por exemplo, sem cometermos o tal pecado.

- A Inveja, quinto da lista dos pecados capitais, que é o desejo exagerado por posses, será o Pecado Capital que nos levará aos quintos. Vivemos o capitalismo que estimula o consumismo. Invejamos o carro da vitrine que os que têm mais dinheiro compram. É uma “inveja branca”, pois nem passou por nossa ideia roubá-lo, mas o desejamos com todas nossas forças musculares no trabalho honesto para adquiri-lo!

- A Preguiça é um problema sério a atacar até mesmo o trabalhador em segundas-feiras desavisadas. Difícil conhecer quem não sentiu preguiça nem uma vezinha. Já existe o ócio criativo, sua versão muito bem aceita principalmente por quem precisa de arte para sobreviver. As novas ideias brotam em suas mentes principalmente quando estão à toa. Daí, trabalhamos até realizar a obra.

- O Orgulho, ou vaidade, anteriormente conhecida pela palavra soberba, finaliza a lista.

O orgulho que nos faz andar de nariz empinado, sem enxergar nossos semelhantes, pode nos levar a pisar num cocô de cachorro e cairmos sentados na rua, aceitando de ajuda a mão de qualquer um.

O orgulho de sermos íntegros, engajados no bom combate, de assumirmos nossas qualidades e aceitarmos nossas limitações sem querer camufla-las o tempo todo como se fossemos pessoas perfeitas, este sim deveria ser reclassificado. De sétimo pecado da lista da lista dos Pecados Capitais, despencaria para “Oitava Maravilha da Capitania dos Povos”!




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".    

janeiro 17, 2018

A parada dos animais

Por Milton Xavier de Carvalho Filho


Carreata de carros de boi no interior.
Clique aqui para mais fotos lindas da amiga Leca Caram.


Todo menino ou menina gosta de animais, e quer ter um para brincar a qualquer hora, principalmente os cães, pequenos, médios ou grandes. Se a moradia tiver quintal, o gosto se estende aos coelhos, galinhas e aos passarinhos, estes quando atraídos por alimento colocado sempre no mesmo lugar que lhes dê segurança contra súbitas investidas dos humanos. Há mais de um século, em todo o mundo, o passeio no jardim zoológico é excelente programa de final de semana para crianças e adultos.

Diante dos reclamos insistentes pela falta de animais no Jardim da Infância Celestial, (Folha Campanhense de 3/7/2014) São Francisco planejou uma sessão de cinema onde, aos domingos à tarde é exibido o desfile de animais domésticos e selvagens, cada qual com sua história de vida, explicada pelos maiores aos menores. Parada exige banda de música, e esta é integrada por jovens que escaparam das más companhias graças ao esforço de algum maestro abnegado, em alguma cidade esquecida dos donos do poder político. Dentre uma centena de outras agremiações musicais constituídas por jovens brasileiros, temos a Orquestra dos Meninos, da região do Agreste, em Pernambuco (cuja história está relatada no filme de mesmo nome), a orquestra juvenil de violoncelistas da Amazônia, sediada em Belém do Pará, a Bachiana Filarmônica SESI-SP, fundada pelo maestro João Carlos Martins, integrada por adolescentes, a Fanfarra do Irmão Paulo, em Campanha-MG.

Uma parelha de cavalos faz a abertura do desfile, um, o de São Jorge, outro, o da Santa Joana D’Arc, padroeira da França, que venceu os ingleses em 1429. Seguem-se três jumentinhos, o que conduziu Nossa Senhora na visita à prima Isabel, outro, o da fuga para o Egito e o da entrada em Jerusalém, na véspera da Páscoa. A vaca do presépio, imponente, precede o rebanho de ovelhas que representam milhares de outras, sacrificadas para agradar a Deus, nos tempos do Antigo Testamento.

O grupo dos cães é o mais numeroso e diversificado. Um vistoso São Bernardo representa todos os que salvaram centenas de pessoas soterradas por deslizamentos de neve nos Alpes europeus. Os cães dos esquimós ─ do Canadá, do Alaska e da Sibéria ─ puxam um trenó cheio de crianças (nenhum outro cão tem trabalho mais pesado do que o deles). Seguem-se os cães-guia dos deficientes visuais, os farejadores de pessoas sob escombros causados por desabamentos, os farejadores de pessoas sequestradas, os guardiães das casas, os guardadores de rebanho, e os que só sabem brincar com criança. A faixa como os dizeres fidelidade e obediência ao dono parecia encerrar a passagem do pelotão canino quando, devagar, apareceu, atrasado, um vira-latas provocando risos, até que o locutor explicou: a cadela Catita, em 1999, na cidade de Campos-RJ, atacou um pitbull que mordia o rosto do menino Lucas. Catita estava presa na coleira, amamentando seus filhotes, no quintal vizinho, quando ouviu os gritos do menino rebentou a corrente, pulou o muro, atacou o dorso do pitbull, que soltou a vítima. Catita apareceu na primeira página dos jornais.

Seguiu-se um grupo menor de cães de aparência doentia, o que aborreceu a plateia. O apresentador esclareceu que eles representavam milhares de animais sacrificados para o progresso da ciência médica. Os utilizados no Instituto Pasteur, em Paris, no final do século XIX, até que os cientistas conseguissem produzir a vacina antirrábica, em 1885, salvadora de milhares e milhares de pessoas em todo o mundo. E os cães que serviram de cobaia nos hospitais, para que os médicos experimentassem novas técnicas de cirurgia cardíaca.

No final, mais três cães, o companheiro de São Roque, o que acompanhava Dom Bosco no caminho de regresso à sua casa, e o cão Gellert, cuja estória emocionante, acontecida no século XII, no País de Galles, consta dos livros didáticos de Inglês essencial.

 Era tempo de dar chance aos outros bichos. Os gatos passaram silenciosos, pisando macio, de olho em algum rato que se atrevesse a cruzar o caminho. Uma faixa explicava: nossos pelos provocam alergia respiratória, e quando arranhamos alguém, eventualmente, podem vir a acontecer problemas na visão. Somos boa companhia para as pessoas idosas. Não gostamos de ser carregados no colo.

Dois elefantes trabalhadores apareceram puxando uma carreta que transportava uma árvore, com seus galhos apinhados de macaquinhos.  Um elefante representava o que salvara centenas de crianças, abrindo um rombo na lona do circo incendiado, em Niterói-RJ, em 1963, e outro foi o que deu alarme da chegada da onda tsunami, no litoral da Indonésia, em dezembro de 2004. Sem a árvore, os micos não poderiam participar do desfile. Desde filhote eles aprendem com os pais que, no chão, serão alvo fácil dos predadores. Vivem em grupos muito unidos. Certa vez, no Rio de Janeiro, um filhote, seguindo os maiores, pulou da árvore para a varanda, para pegar um pedaço de banana, mas, no regresso ao galho, caiu na calçada da rua, de uma altura de sete metros. Na mesma hora, desceu todo o bando, emitindo sons ameaçadores, até que a mãe chegou, colocou o filhote nas costas e subiu de volta à árvore.

Os macacos são intensamente utilizados como cobaias nos experimentos científicos em pesquisas de novos medicamentos. Na Amazônia, os agentes de saúde pública, em seu trabalho de monitoramento, penduram, no alto das árvores, macaquinhos presos em gaiola, para serem picados por mosquitos transmissores de doenças tropicais.

Encerrando a primeira parte do desfile terrestre, apareceu o casal garboso de pinguins-imperador, felizes por terem sido escolhidos símbolos da ONG Guarda Compartilhada.

O desfile aéreo começou com a pomba da paz, que preteriu a águia orgulhosa, emblema dos grandes impérios, desde a antiguidade. A revoada de pombos faz parte de muitas festividades ao ar livre.  A pomba branca simboliza o Espírito Santo e, em 11 de julho de 2012, uma delas emocionou milhares de pessoas, na Catedral, ao pousar sobre o caixão de Dom Eugênio Salles, o Cardeal do Rio.

Seguiram-se, aos pares, as aves monogâmicas, a começar pelo albatroz errante, ave marinha que pode viver até 50 anos, e cujo ovo é incubado pelo casal. Dentre outros, desfilaram casais de tucanos, de araras, de pombos-correio e de garças canadenses.

Quando apareceu o joão-de-barro, o locutor falou alto, como se estivesse discursando diante dos governantes brasileiros: toda criança tem direito a uma casa, a um abrigo seguro. Seguiram-se os pássaros que frequentam os jardins tranquilos, principalmente os dos mosteiros, e cujos trinados ajudam a meditação dos frades e monjas. Aqui no Brasil são os canários da terra, canários belgas, curiós, pintassilgos, trinca ferros, cardeais, coleirinhas, sabiás laranjeiras, azulões. Os colibris não cantam, mas, pairando junto às flores, remetem nosso pensamento a Deus.

No intervalo do desfile apresentaram-se Corais de crianças brasileiras, e outro, da África Equatorial, em excursão pela Europa. Chegou a vez dos seres aquáticos, nadando em um comprido aquário. Começou pelo cardume que havia participado da pesca milagrosa, na Galileia, em seguida, os dois peixes do milagre da multiplicação, e um punhado de outros que, no início do século XIII, vieram até à superfície da água ouvir o sermão de Santo Antônio de Lisboa.

Apareceram os golfinhos amestrados, que fazem a alegria das crianças e adultos nos parques aquáticos. Seguiu-se o peixe-palhaço, pai do filhote Nemo, que fugira de sua casa entre as anêmonas, e fez seu pai enfrentar mil desafios até encontrá-lo, só no final do filme de Walt Disney o genial produtor de cinema que conseguia agradar crianças e adultos, sem arranhar a ética e a moral . Apareceram as focas com uma faixa de protesto contra a matança de mais de trezentas mil, a cada ano, no Canadá, na Groenlândia e na Rússia, para os humanos lhes retirarem a pele, valiosa no mercado. O desfile encerrou-se com a baleia, representando milhares de outras tantas sacrificadas, no esforço de recuperar seus respectivos filhotes, que os caçadores, até o século XIX, capturavam e arrastavam para as águas rasas do litoral, onde elas não podiam se valer de sua força superior à de todos eles juntos. Naquele século, as baleias foram dizimadas pelos homens, que utilizavam seu óleo para a iluminação, e sua carne, para alimento. Hoje, sua caça está proibida, em quase todos os mares do planeta.

Terminada a apresentação, todos queriam saber quando aconteceria o próximo filme, queriam relatar suas experiências de vida, e saber quais os critérios para a seleção dos animais atores. São Felipe Neri (1515-1595), sempre sorrindo, foi escalado para definir o roteiro. Sentiu-se como se estivera no século XVI, quando ensinava Catecismo às crianças abandonadas nas ruas de Roma.

 Devemos respeitar os animais, eles são naturalmente destinados ao bem comum da humanidade, hoje e no futuro. O domínio dado pelo Criador ao homem sobre os seres vivos não é absoluto, pois exige um respeito pela integridade da criação. É contrário à dignidade humana fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar suas vidas. É legitimo ao homem servir-se dos animais para a alimentação, e para ajudá-lo nos seus trabalhos. Os experimentos médico-científicos são práticas moralmente aceitáveis se contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.

E São Felipe Neri concluiu: pesquisem no Evangelho, nos livros sobre a vida dos santos, nos jornais e na Internet os relatos de casos exemplares em que o homem e os animais se ajudaram mutuamente. Algum dia, um diretor montará um filme relatando ser possível aos seres humanos viverem em harmonia com as criaturas de Deus.

***

Milton Xavier de Carvalho Filho é observador do JIC e professor universitário aposentado. Tem quatro netos que amam: ouvir, ler e também escrever histórias. Quer se conhecido por Vovô Milton.

janeiro 12, 2018

Sonhei

Por Elisabeth Santos
Nuvens escuras e espinhos no Brasil.

Sonhei que uns anjos no céu fizeram uma reunião para discutir a ganância que assola o Brasil. Para que os anjos mais jovens entendessem direitinho a questão, utilizaram recursos mediáticos semelhantes aos do Planeta Terra com a diferença que no céu não se fez necessário imprimir nada e muito menos ligar à tomada ou trocar a bateria.

Não demorou muito tempo para que o grupo tivesse diversas e boas ideias do que fazer, e partiram em grupos de três diretos para as penitenciárias, por entenderem que o nome era bem parecido com o que conheciam bem: Penitência!

Chegando ao local nem pediram autorização para entrar. Temiam cobranças indevidas sendo que vieram em missão de Paz e Bem, com bolso vazio e coração transbordante.

Quando os penitentes estavam em horário do banho de sol, naquele imenso pátio, começaram a ter visões: Viam a fila de atendimento do Sistema Único de Saúde; crianças sem merenda nas escolas aos pedaços; pessoas caindo mortas por terem sido achadas por balas perdidas; filas de gente mendigando empregos sendo que já tinham conhecimento que a Terra deveria ser o lugar de “ganhar o pão com o suor do rosto”. Teve até quem viu um verde enorme virar fumaça, uma água doce se transformar em lama!

E aí se deu um fenômeno: penitentes queriam fechar seus olhos e não conseguiam. Nada de remela ou cola invisível. Simplesmente aqueles olhos não fechavam mais. O sol causticante. O concreto do chão pelando. Sentavam e ficavam novamente em pé para não queimar as nádegas de pele mais sensível que a sola do pé. Começaram a pular trocando o pé direito pelo esquerdo numa tentativa de aguentar mais. Os tais anjos observando serenos. A tortura não era aquilo tudo ainda, pois nenhuma lágrima foi vista.

Aí as imagens do sofrimento alheio, que apareciam sem cessar naquela espécie de Telão, se transfiguraram...

 Já não eram anônimos. Eram reconhecidos como parentes e amigos dos que ali pagavam penas terrenas. Por incrível que pareça o inesperado aconteceu: as lágrimas caindo copiosamente fizeram pálpebras antes imóveis pudessem cerrar olhares aterrorizados; lágrimas estas, que esfriando o chão fizeram muitos se ajoelharem arrependidos.

Ouvi barulho de asas?

Sem saber ao certo o que era e de onde vinha o som... Cai da cama.

Acho que estive sonhando o melhor dos sonhos!
 



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".


janeiro 05, 2018

Imagens I

Por Elisabeth Santos
 

Depois de longa estiagem, quando as crianças brincavam no terreiro quase o dia todo, veio um período de chuva. Neste ficaram todas presas dentro de casa lendo, fantasiando a vida, brincando de estátua, e também nos competitivos jogos de tabuleiros.

Chuva cessada, terra já seca, aquela infância feliz, desceu a escada da porta da cozinha para o quintal, correndo. Viram o verde mato crescido, cheirando a mato mesmo, parecendo um colchão de molas para dar uns pulos. Veio então a ideia luminosa: trazer um lençol de dentro do guarda roupas do corredor dos quartos. Estendê-lo sobre a relva. E deitarem naquela maciez de folhinhas tenras olhando as nuvens e dizendo a que se assemelhavam.

_ Um ... dois... três... iiipiii... já!

Que maciez que nada. Um belo choque das costas no chão duro, pois o mato vergou, virando um frágil matico. O jeito agora era dobrar o pano, todas as crianças segurando a pontas, e recoloca-lo em seu lugar. Mas a babá, estando a lavar roupinhas no tanque por ali, viu o erro. De tamanco mesmo, foi ao encontro da meninada e percebendo o lençol úmido de sereno, um pouco sujo da mistura do mato esmigalhado em contato com a terra, explicou que agora serviria para aparar os abacates, e depois por de molho para ser lavado.

Aí chegou o moço apanhador de abacates. Subiu ligeiro na enorme árvore acompanhado por vários parzinhos de olhos e ordenou a seus ajudantes que ficassem a postos. Cada qual segurando fortemente as bordas do lençol, aguardava o baque do abacate jogado do alto sobre o pano. Às vezes era um abacatão, uma criança menor soltava sua ponta de lençol, e as outras gritavam:

_ Pega logo, lá vem outro!

A cada seis abacates, o líder soltava sua ponta para as frutas escorregarem para o cesto trançado de taquara. Muitos cestos depois, todos cansados do “baile”, iam para o banho e o lanche: abacate liquidificado com leite condensado; abacate cremoso com açúcar e limão; abacate na cuia mesmo. Que delícia!

No outro dia, distribuíam bandejas daquelas frutas aos vizinhos, com a seguinte frase na ponta da língua:

_ Mamãe mandou esse presente para a senhora.

_ Que lindos! Agradeça muito a ela. Os abacates da sua casa são os melhores que existem por aqui. Tem a casca fininha, a polpa amarela e suave. Qualquer dia desses mando uns jambos, e mexericas para vocês.

E assim tínhamos boas frutas o ano inteiro!

Distribuíamos também cana de açúcar em gomos, banana maçã sem pedra, e a manga comum era trocada por perfumada manga rosa, à porta da casa da afilhada da Dona Margarida.

Simples assim:

_ Mamãe mandou essas frutas para você, e perguntou se já teria umas mangas maduras para ela.

_ Tenho sim- respondia aquela simpática mocinha sorrindo- Vou coloca-las na mesma vasilha que vocês trouxeram, que é para não voltar vazia.

Agradecendo, saíamos dali com aquele olhar de inocência, e mal virávamos a esquina, já estávamos mordendo a fruta madurinha.

Da nossa casa enxergávamos a mangueira de onde vinha aquela delícia perfumada, sem fiapo para grudar no vão dos dentes denunciando nossa gulodice para a Bá.
 


 
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

A máquina e o tempo

Por Elisabeth Santos

Eu e a Beth no The Getty Museum


Quase tudo no século XXI pode ser feito por uma máquina. Mecânica, elétrica, eletrônica, robotizada ou não. Tais aparelhos estão aqui para nos ajudar, e fazer render o tempo principalmente.

A nós Humanos resta o comando, e o bom aproveitamento do tempo livre. Nisto e naquilo, cada qual saberá de si e da sua ocupação, por termos nossas particularidades.

O problema é o trânsito até chegar ao meu emprego, muitos replicariam.

O problema são os enguiços das máquinas, alguns completariam.

Nada é perfeito nesse mundo e nem em outro planeta até onde temos conhecimento. O que fazer para melhorar a mecanização, o que fazermos para gastar melhor nosso tempo?

Quanto à facilitação dos arranjos, consertos, restabelecimentos dos aparelhos que estão a nos servir, já temos bastante pessoas se preocupando, buscando soluções, inventando gambiarras, pondo mãos à obra enfim.

E quanto ao tempo ganho para usarmos ao nosso bel prazer, nem sempre poderemos gerenciá-lo devido aos imprevistos, por exemplo.

Também existe o final, imprevisível, do tempo de cada ser vivo...

Deve ser por essas e aquelas razões, que estamos sendo avisados durante toda vida para nos ocuparmos de ações que nos beneficiem, a todos.

Aqui cabe a reflexão individual, porque cada qual interpreta de uma maneira.

Na atual conjuntura do país em que vivo, ousarei afirmar comparativamente: enquanto alguns juntam indevidamente o que seria utilizado ao bem comunitário... conheço figuras mais humanas pelo mundo afora. Magnatas que abriram escolas, museus, parques ecológicos, oficinas artísticas etc e ganharam tempo.

Ganharam a lembrança eterna de quem nasceu muito depois, e vai lembrar-se deles com gratidão!



  


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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".